A Comunicação Interna foi colocada sob holofotes nos últimos dois anos. A pandemia lançou sobre ela não apenas luz, mas maior responsabilidade de gerar e manter conexão e vínculo entre empresas e empregados atuando remotamente, estivessem todos preparados para isso ou não. Esse destaque tem gerado resultados positivos à medida que a alta liderança reconhece mais facilmente a importância da comunicação com empregados, mas também tem escancarado lacunas que perduram por anos e que, em tempos pós pandêmicos ou pandêmicos eternamente, seja lá o que for o que a gente vive, fazem a conta vir dobrada.
Para entender bem onde o calo aperta, nada melhor do que ouvir quem sente a dor. Ao longo do último ano, levantei a opinião de 2.556 empregados de empresas diferentes no Brasil*. São profissionais que trabalham para organizações de diversos setores, de médio e grande porte e presentes nas cinco regiões do país. Muitas opiniões convergem quando o assunto são as lacunas que persistem perigosamente na comunicação interna. Como uma forma de gerar reflexão e incentivar um movimento de construção de caminhos e soluções, compartilho algumas dessas dores dos públicos internos com vocês, colegas comunicadores.
1. Uma comunicação que já não é interna, mas é mais interna do que nunca
Há debates sobre usar ou não a nomenclatura “comunicação interna” porque, afinal, ela já não é (se é que algum dia foi) algo que pudesse estar restrito ao âmbito interno de uma empresa. O paradoxo está justamente aí. A comunicação que hoje ultrapassa tão facilmente os muros da empresa, muitas vezes não dá conta de ultrapassar nem as barreiras das “baias”, sejam elas físicas ou divisões setoriais nas organizações.
Os fluxos de comunicação dentro e entre setores têm se mostrado deficientes em muitas empresas, levando a retrabalho, perda de prazos, relações desgastadas, frustração. Os resultados da pesquisa mostram dois fatores que se combinam explosivamente e contribuem para esse cenário: a falta de habilidades comunicacionais de líderes e a falta de apoio consultivo da área de Comunicação a projetos chave que envolvem times diversos.
2. Fala que eu não te escuto
A pesquisa detectou também que há cada vez mais liberdade para que os empregados se expressem e contribuam com suas opiniões. Isso significa que a cultura do silenciamento e medo que preponderou por tantas décadas finalmente tem cedido espaço à voz dos empregados. Por outro lado, esse espaço tem se mostrado um tremendo vazio onde ecoa a voz dos públicos internos, como se eles falassem para eles mesmos e ninguém os ouvisse, muito menos respondesse. Continua baixa a percepção dos empregados de que suas opiniões são realmente ouvidas e consideradas pela organização.
As empresas têm realizado dezenas de pesquisas, às vezes simultaneamente, sem se preocupar em compartilhar o propósito desses levantamentos e dar um retorno. Ninguém sabe aonde foi parar a opinião que deu. Sentindo-se desrespeitados e desmotivados, os empregados engajam cada vez menos em pesquisas, fazendo comunicadores se descabelarem e traçarem mil planos visando um maior engajamento. Na verdade, os públicos internos só querem entender os objetivos das pesquisas, saber o que elas apontaram e o que será feito a partir dos resultados. É simples e realmente exige compromisso, mas não por parte dos empregados e sim da liderança.
3. Infoxicação: onde vive, do que se alimenta, como se reproduz?
Em 1996, o físico espanhol Alfons Cornellá já nos alertava sobre a infoxicação, nome dado por ele ao excesso de informação que, não digerido, causa dispersão, ansiedade e estresse. Gary Grates também aponta para o cinismo que pode resultar do excesso de informação. Como o cérebro humano não dá conta de filtrar um volume tão grande de informações, passamos a ignorar parte delas, muitas vezes descartando conteúdos essenciais, incluindo aqueles que evitam nossa alienação. Perigoso isso, ainda mais nos tempos em que vivemos.
Esse descarte de informações como uma forma de defesa do cérebro humano não é diferente no mundo do trabalho. Para agravar, ao notarem que já não contam com o mesmo nível de interesse e atenção de seus empregados, muitas empresas aumentam ainda mais os estímulos, com maior volume de informação, mais canais, mais campanhas. O resultado é catastrófico e paradoxal: o comunicador produz cada vez mais conteúdo e, ao mesmo tempo, luta contra a falta de atenção e interesse que seu próprio conteúdo produz.
Se não formos nós, profissionais da Comunicação, a alertar sobre isso e combater esses excessos, quem mais? É responsabilidade nossa conscientizar e ajudar a empresa nesse caminho, analisando e otimizando fluxos de comunicação, reestruturando canais, filtrando conteúdos de acordo com os públicos, capacitando pessoas em comunicação e combatendo a cultura de excessos.
4.Todo líder é comunicador, resta apenas saber se é bom ou ruim
Todo líder comunica algo, mesmo quando está em silêncio. O que difere é se ele é um bom ou mau comunicador. Essa consciência ainda precisa ser despertada na liderança de muitas organizações. Com uma visão distorcida, inúmeros líderes ainda entendem que precisam apresentar apenas competências técnicas relativas às suas funções, mas que cabe exclusivamente à área de Comunicação as responsabilidades da comunicação organizacional.
Como resultado, faltam alinhamento, diálogo, produtividade, motivação, enquanto sobram retrabalho, estresse, ansiedade e falta de engajamento. É preciso não apenas conscientizar a liderança quanto ao seu papel na comunicação com empregados, mas também promover o autoconhecimento desses líderes sobre suas habilidades comunicacionais e desenvolvê-las. Está nessa frente outra responsabilidade nossa que tem total relação com a comunicação estratégica e também humana requerida em nossa era.
Mas com base nessas dores, qual é a doença diagnosticada, afinal? O que aflige a comunicação interna nesse momento?
Pelas dores compartilhadas, deu para notar que a comunicação com empregados tem sido, em muitas organizações, uma comunicação pela empresa (em prol de seus interesses apenas) e para empregados (a empresa emite informação, o empregado só recebe). Essa é uma comunicação que obviamente não cabe mais em nossos tempos, o holofote que a pandemia lançou sob nosso campo deixa isso ainda mais óbvio.
A comunicação estratégica, aquela que gera resultados para as organizações, hoje só faz isso equilibrando interesses, tornando o processo participativo, envolvendo os empregados. Para isso, ela necessariamente precisa lançar mão da escuta, do real fomento ao diálogo, da capacitação de pessoas – sobretudo líderes – em comunicação. Não há como alcançar uma comunicação estratégica, muito menos humana, posicionando-se à parte dessa evolução.
As dores compartilhadas por esses empregados existem também em sua empresa? Quais outras lacunas desafiam a comunicação com empregados em sua organização?
* a pesquisa adotou metodologia científica e contou com instrumento criado e validado cientificamente durante meu percurso no mestrado. Hoje, o instrumento já faz parte dos métodos da consultoria para diagnósticos e investigações em comunicação.